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Meu Filho Foi Diagnosticado com TEA, e Agora? Os Primeiros Passos Essenciais para Famílias

primeiros passos no tea

Receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) de um filho é como se o chão se abrisse sob nossos pés, e de repente, o mapa que tínhamos para a jornada da paternidade ou maternidade parece não servir mais. É um daqueles momentos da vida em que o trivial some e o essencial grita. Uma mistura de sentimentos – medo, incerteza, talvez até um estranho alívio por finalmente ter um nome para tantas inquietações – toma conta. É natural, é humano. Como diria um cronista da vida cotidiana, é a vida nos mostrando que seus roteiros são sempre mais surpreendentes que os nossos.

Este artigo não tem a pretensão de ser um manual com respostas prontas, porque cada família, cada criança, é um universo particular. Mas, como um bom amigo que oferece o braço em uma caminhada inesperada, queremos compartilhar alguns dos primeiros passos essenciais, aqueles que podem iluminar o início dessa nova trilha. O objetivo aqui é transformar o “E agora?” em um “Agora, vamos em frente, mais informados e fortalecidos”. Afinal, como bem sabemos pela experiência da AMAES – Associação dos Amigos dos Autistas do Estado do Espírito Santo, a jornada, embora desafiadora, é também um convite a um mergulho profundo no amor, na resiliência e no autoconhecimento.

Compreendendo o Diagnóstico: O Mapa do Novo Território

Antes de dar qualquer passo, é fundamental entender minimamente o terreno que se pisa. O diagnóstico de TEA não é um ponto final, mas uma placa de sinalização importante.

O que é TEA, afinal?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-11), é um transtorno do neurodesenvolvimento. Isso significa que ele afeta a maneira como o cérebro se desenvolve e funciona, impactando principalmente duas áreas: a comunicação e interação social e os padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos e repetitivos.

A palavra “espectro” é chave aqui. Pense numa paleta de cores: todas são cores, mas cada uma tem sua nuance, sua intensidade. Assim é o TEA. Não existem duas pessoas com autismo iguais. Algumas podem ter dificuldades significativas na fala, enquanto outras possuem um vocabulário vastíssimo, mas podem ter desafios em entender as sutilezas da conversa, como o sarcasmo ou as expressões faciais. Algumas podem apresentar movimentos repetitivos ou um interesse hiperfocado em temas específicos (dinossauros, trens, números), enquanto outras manifestam essas características de forma mais branda.

Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, referência mundial no tema, indicavam em 2023 que cerca de 1 em cada 36 crianças era diagnosticada com TEA. No Brasil, ainda carecemos de estudos epidemiológicos amplos e recentes em nível nacional, mas a conscientização e o acesso ao diagnóstico têm aumentado.

É crucial desmistificar algumas ideias: TEA não é uma doença, não tem cura (porque não é uma doença a ser curada), e definitivamente não é causado por falta de afeto dos pais ou por vacinas – esse último, um mito já exaustivamente desmentido pela ciência. O TEA é uma condição inerente à pessoa, uma forma diferente de perceber e interagir com o mundo.

A Montanha-Russa Emocional: A Reação ao Diagnóstico

É como se, de repente, você estivesse em uma língua estrangeira sem tradutor. O impacto do diagnóstico pode desencadear um turbilhão de emoções, e todas elas são válidas. Pode haver choque, negação (“Será que o médico está certo?”), tristeza pela perda do “filho idealizado”, medo do futuro, culpa (infundada, mas comum – “Onde foi que eu errei?”), e, sim, por vezes, alívio. Alívio por finalmente entender o porquê de certos comportamentos, por ter um caminho para buscar ajuda.

Como bem descreve a psicóloga especialista em luto, Dra. Elisabeth Kübler-Ross, em seus estudos sobre as fases do luto (que podem, por analogia, se aplicar a essa situação de “perda” do futuro imaginado), é preciso vivenciar esses sentimentos para seguir adiante. Permitir-se sentir é o primeiro passo para a aceitação e para a ação construtiva. Não há um cronograma para isso; cada um tem seu tempo.

Primeiros Passos Essenciais: Iluminando a Trilha

Com o mapa inicial em mãos e o coração tentando encontrar seu novo ritmo, alguns passos são fundamentais para começar a caminhar com mais segurança.

1. A Bússola da Informação: Educando-se sobre TEA

O conhecimento é poder, especialmente quando se trata de algo novo e complexo. Buscar informações de qualidade é o primeiro grande passo.

  • Fontes Confiáveis: Procure por materiais de organizações respeitadas como a própria AMAES, sociedades médicas (Sociedade Brasileira de Pediatria, Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil), livros de autores renomados na área (Temple Grandin, Tony Attwood, Martha Herbert, entre outros), e artigos científicos com linguagem acessível. O site da Autism Speaks e da Organização Mundial da Saúde (OMS) também oferecem bom material.
  • Cuidado com o “Dr. Google”: A internet é vasta, mas nem tudo que reluz é ouro. Tenha critério ao consumir informações online. Evite fóruns com opiniões radicais ou promessas milagrosas.
  • Pergunte, questione: Não hesite em tirar todas as suas dúvidas com os profissionais que acompanham seu filho.

Lembre-se, o objetivo é entender o TEA para poder oferecer o melhor suporte, e não se tornar um especialista da noite para o dia. É uma maratona, não uma corrida de 100 metros.

2. A Equipe de Expedição: Buscando Apoio Profissional

Ninguém precisa escalar essa montanha sozinho. Uma equipe multidisciplinar competente é crucial para apoiar o desenvolvimento do seu filho e orientar a família. Essa equipe pode incluir:

  • Neuropediatra ou Psiquiatra Infantil: Responsável pelo diagnóstico, acompanhamento clínico e, se necessário, intervenção medicamentosa para comorbidades (como TDAH, ansiedade, distúrbios do sono).
  • Psicólogo(a): Trabalha as questões comportamentais, emocionais e sociais da criança, além de oferecer suporte para a família. Terapias baseadas em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) são frequentemente recomendadas, mas outras abordagens também podem ser benéficas, dependendo do caso.
  • Terapeuta Ocupacional (TO): Ajuda no desenvolvimento de habilidades motoras finas e grossas, processamento sensorial (muitas crianças com TEA têm sensibilidades sensoriais), e atividades da vida diária.
  • Fonoaudiólogo(a): Trabalha as habilidades de comunicação, desde a fala e linguagem até a comunicação não verbal e pragmática (o uso social da linguagem).
  • Psicopedagogo(a): Auxilia nas questões de aprendizagem escolar, adaptando métodos e materiais.

A escolha dos profissionais deve ser baseada em indicações, pesquisa e, fundamentalmente, na criação de um vínculo de confiança. O objetivo das terapias não é “curar” ou “normalizar” a criança, mas sim oferecer ferramentas para que ela desenvolva seu potencial máximo, ganhe autonomia e qualidade de vida. É sobre construir pontes, não muros.

3. A Tribo Unida: Envolvimento da Família

O diagnóstico não é só da criança, ele reverbera por toda a família.

  • Comunicando com Carinho e Clareza: Converse com os avós, tios, e principalmente com os irmãos (se houver), adaptando a linguagem à idade e capacidade de compreensão de cada um. Explique o que é o TEA de forma simples e honesta.
  • Construindo uma Rede Coesa: É fundamental que todos os cuidadores principais estejam alinhados quanto às estratégias e informações. A consistência ajuda a criança a se sentir mais segura.
  • Lidando com Opiniões Alheias: Infelizmente, palpites e conselhos não solicitados podem surgir. Filtre o que é útil e descarte o que não contribui. Confie na sua intuição e nas orientações dos profissionais.
  • Um Lar Acolhedor: Muitas crianças com TEA se beneficiam de rotinas previsíveis e de um ambiente calmo e organizado. Pequenas adaptações em casa podem fazer uma grande diferença.

Estruturas de Suporte e Recursos: Abrigos pelo Caminho

Além da equipe profissional e da família imediata, existem outras fontes de apoio que podem ser verdadeiros oásis.

1. A Força do Encontro: Grupos de Apoio

Conectar-se com outras famílias que vivenciam realidades semelhantes é transformador. Ninguém entende melhor os desafios e as alegrias de criar uma criança com TEA do que outros pais e mães que estão na mesma jornada.

  • Sentimento de Pertencimento: Nos grupos, você encontra acolhimento, troca de experiências práticas, informações valiosas e, o mais importante, a certeza de que não está sozinho.
  • Onde Encontrar: Associações como a AMAES frequentemente promovem encontros ou podem indicar grupos. Plataformas online, como grupos no Facebook e WhatsApp, também são muito populares e acessíveis.

2. O Direito de Aprender: Recursos Educacionais

Toda criança tem direito à educação. Para crianças com TEA, a inclusão escolar é garantida pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI – Lei nº 13.146/2015).

  • Suporte Escolar: A escola deve oferecer os suportes necessários, como um mediador escolar (ou acompanhante terapêutico, dependendo da necessidade e legislação local) e um Plano de Ensino Individualizado (PEI), que adapta o currículo e as estratégias pedagógicas às necessidades específicas do aluno.
  • Escola Regular vs. Especializada: A decisão entre matricular a criança em uma escola regular com suporte ou em uma escola especializada depende de uma avaliação cuidadosa das necessidades da criança, dos recursos disponíveis e da filosofia da família, sempre com orientação profissional. O objetivo é encontrar o ambiente que melhor promova o desenvolvimento e o bem-estar do seu filho.

Cuidando de Quem Cuida: A Máscara de Oxigênio

Aqui vai um lembrete crucial, muitas vezes esquecido na urgência de cuidar do outro: você, pai, mãe, cuidador, também precisa de cuidados. Sabe aquela instrução no avião, de colocar a máscara de oxigênio primeiro em você para depois ajudar o outro? Ela se aplica perfeitamente aqui.

  • A Síndrome do Cuidador Exausto: Dedicar-se integralmente é nobre, mas o esgotamento físico e emocional pode comprometer sua saúde e, por consequência, sua capacidade de cuidar.
  • Autocuidado não é Egoísmo, é Sobrevivência: Reserve tempo para si, mesmo que sejam pequenos intervalos. Faça terapia individual, cultive hobbies, mantenha contato com amigos, pratique atividades físicas, alimente-se bem. Peça e aceite ajuda.

A AMAES como Parceira Nesta Jornada

Para as famílias no Espírito Santo, a AMAES – Associação dos Amigos dos Autistas do Estado do Espírito Santo surge como uma aliada valiosa. Constituída em 2001 por pais de autistas, a AMAES tem como um de seus objetivos estratégicos a defesa e garantia dos direitos dos indivíduos autistas e de suas famílias, além de oferecer atendimento e atenção nas áreas de assistência social, educação e saúde. Seu propósito de “contribuir para a ampliação da autonomia e dignidade de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista – TEA e seus familiares” e sua missão de “colaborar de forma propositiva na construção e melhoria das políticas públicas” fazem da AMAES um farol. Eles podem oferecer acolhimento, informações preciosas, encaminhamentos e ser uma voz ativa na luta por direitos.

Conclusão: Um Novo Começo, Uma Nova Perspectiva

Receber o diagnóstico de TEA do seu filho é, sem dúvida, um divisor de águas. O “E agora?” inicial, carregado de incertezas, pode, com informação, apoio e tempo, transformar-se em um “Agora, entendemos melhor e estamos prontos para caminhar”. Não é um caminho fácil, nem linear. Haverá dias de sol e dias de tempestade, como em qualquer travessia. Mas cada pequeno progresso, cada sorriso, cada nova habilidade conquistada será celebrada com uma intensidade única.

Lembre-se que seu filho é, antes de tudo, uma criança, com suas particularidades, talentos e potencialidades. O TEA é uma parte dele, não o define por completo. A jornada pode ser diferente daquela que você imaginou, mas ela pode ser incrivelmente rica em aprendizados, amor incondicional e uma nova forma de ver o mundo, muitas vezes mais atenta, mais genuína.

Próximos Passos Sugeridos:

  • Respire fundo e permita-se sentir. Não há pressa.
  • Busque informações de qualidade sobre o TEA.
  • Monte uma equipe de profissionais de confiança para acompanhar seu filho.
  • Conecte-se com outros pais e famílias. A troca de experiências é poderosa.
  • Explore os recursos e o apoio que associações como a AMAES podem oferecer.
  • Cuide de você. Sua saúde e bem-estar são fundamentais.

E, acima de tudo, lembre-se do poder do amor, da paciência e da persistência. Vocês não estão sozinhos nessa. A caminhada pode ser longa, mas cada passo, mesmo o menor deles, é uma vitória a ser comemorada. E como todo bom caminhante sabe, às vezes, as paisagens mais bonitas são encontradas nos caminhos menos esperados.

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